Checkup marcado

Além de ligar o alerta de todo o mercado cosmético, as medidas anunciadas pelo governo também servirão para testar a saúde financeira das companhias do setor, especialmente as de médio porte. E alguns sintomas negativos já se manifestaram       


A comparação aqui cabe. Ter o hábito de realizar exames médicos com frequência a fim de saber como está a sua saúde deve fazer parte da rotina de qualquer ser humano. Em tese, todos têm (ou deveriam ter) esta consciência. Também sabem – mesmo sem realizar consultas ou exames – como estão se sentindo naquele momento, numa espécie de auto-avaliação. Na ponta oposta, outro cenário bastante comum é a detecção de um problema médico apenas quando algo de ruim acontece, como um infarto, por exemplo. A partir de então, tendo ciência deste problema, o ser humano tende a tomar novos cuidados para não agravar os sintomas. Muitas vezes, algumas atitudes mais drásticas precisam ser tomadas.

No meio empresarial, a saúde financeira das companhias também carece deste zelo. E assim como no caso da saúde do ser humano, manter-se saudável depende de fatores internos e externos. Os ares do mercado cosmético nos últimos anos foram bastante saudáveis para as companhias respirarem. As “doenças”, no caso, eram – e continuam sendo – a grande concorrência existente, que tem o poder de fazer uma seleção natural dos mais fortes, e alta carga de impostos praticada no País; sendo esta última uma “doença crônica” para qualquer segmento. Porém, sempre existem aqueles problemas que ficam ocultos.

Estar preparado para momentos difíceis é sempre bom, principalmente quando alguma dificuldade surge de forma repentina. E esse é um movimento que em geral deve ser feito nos períodos de bonança. Afinal, ao menos em teoria, é nesse momento em que as vacas engordam, acumulando gordura para os tempos de dureza. Naturalmente, isso não precisa ser entendido de forma literal. Muito menos no sentido da fábula da formiga, que trabalha o verão inteiro para guardar mantimentos para suportar o inverno, e da cigarra, que aproveita todo o verão, mas morre de fome e de frio com a chegada do inverno. Essa gordura acumulada deve ser revertida em investimentos capazes de elevar os patamares de eficiência, produtividade, inovação e qualidade da empresa como a modernização de fábricas e centro de distribuição, melhorias nos sistemas de gestão e melhorias nos ambientes de inovação da empresa.

Formigas e cigarras
Ainda que os empresários brasileiros estejam cansados de saber que os movimentos de ascensão e queda na economia no Brasil costumam ser menos longos e mais repentinos, isto, historicamente, não é um costume de empresas locais, e particularmente das empresas de médio porte aproveitar a era de bonanças para estruturar as empresas para o próximo grande passo. Seja por necessidade ou simplesmente por opção dos seus sócios, boa parte delas procura usufruir deste bom período de outras formas.

No mercado de beleza há um seleto grupo de nomes que vem influenciando o desenvolvimento do setor no País. Estas companhias também sabem fazer a leitura do cenário econômico do Brasil e do setor, para assim aplicarem seus investimentos nos locais e momentos certos. Não é coincidência e nem por acaso que as três maiores empresas brasileiras de capital nacional Natura, Grupo Boticário e Hypermarcas aproveitaram os bons resultados dos últimos anos – incluindo aí uma maior disponibilidade de recursos financeiros no mercado – para realizar investimentos estratégicos e vultosos nas mais variadas áreas, como em Pesquisa & Desenvolvimento, Inovação, Produtos, Expansão, entre outras. Tudo isso para dar suporte ao crescimento futuro das companhias. Certamente existem outros nomes que se enquadrem nesta realidade e pode-se dizer que serão outros eventuais candidatos a não se abalarem com os tempos difíceis que vêm por aí.
Apesar de o mercado de beleza ter fama de resiliente e de sofrer menos com crises econômicas do que a maior parte dos setores produtivos, ele não é imune a crises. E isso é uma verdade em qualquer lugar do mundo, inclusive aqui no Brasil. Ainda que tenha crescido bem até meados do ano passado, o cenário econômico do Brasil já vinha deixando os empresários e executivos apreensivos e atentos para dias nebulosos. Com a economia andando de lado, tensões políticas e incertezas sobre os caminhos que serão adotados pelo governo para recolocar o País nos trilhos, a vida já seria dura o bastante. Agora, com a publicação no Diário Oficial do Decreto nº 8.393/15 que trata da equiparação do IPI em operações de indústria e de suas distribuidoras próprias, o cenário tem tudo para ficar mais complicado para todos, sobretudo para as empresas de médio porte. Este novo cenário pode escancarar e colocar em xeque a real saúde financeira do setor.

Nas últimas semanas, a Atualidade Cosmética conversou com uma dezena de dirigentes do mercado cosmético e uma das principais constatações é que é bem provável que algumas empresas ficarão no meio do caminho. E isso pode ter consequências diretas e drásticas por todos os elos da cadeia. “Sei que será um ano ruim, e nesse período pode haver empresas que fiquem pelo meio do caminho. As que estão mais frágeis neste momento enfrentam um risco grande. Tenho informações de que algumas companhias fornecedoras de embalagens plásticas estão com muitas dificuldades. Então, temos de estar preparados para lidar com empresas que talvez não continuem no mercado. É um ano arriscado”, disse o dirigente de uma tradicional fabricante brasileira de cosméticos, que reforça que esse tipo de reação em cadeia será inevitável.

Inadimplência crescente
Outro problema que tende a se agravar no setor é a inadimplência. Com isso, os fornecedores de embalagens e também os terceirizadores, estarão entre os que serão afetados nesta história. “O número de pedidos por parte da indústria cosmética já está diminuindo”, relatou um relevante terceirista do interior de São Paulo.
Já para um empresário que atua no segmento de embalagens, “o cenário, infelizmente, não é nada bom nem promissor.” O dirigente revelou que, apesar de o anúncio das medidas de Tributação do mercado cosmético ter sido feito há pouco tempo, já foi possível perceber alguma reação das companhias cosméticas em termos de pedidos e pagamentos, por exemplo. “Todas as empresas do setor estão tomando medidas para reduzirem custos e cortarem gastos. O intuito é preservar margem e sobreviver diante de um mercado cada vez menos atraente”, observou, endossando que, certamente, a situação para as empresas de menor porte daqui para frente será bem pior. “As margens do setor vêm caindo ano a ano. E com as mudanças das regras tributárias, com certeza haverá aumento da inadimplência”, lamentou ele, que prevê dias complicados para os fornecedores de embalagens. “Vislumbramos situação muito difícil para os próximos dois anos. As empresas terão de se reinventar, tomando o máximo cuidado com questões financeiras”, conclui.

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