Especialização como diferencial

Conheça a história de drogarias que, após identificar brechas e deficiências no mercado, venceram apostando no atendimento especializado
 

A crescente profissionalização do varejo farmacêutico é um dos pontos que tem levado ao rápido e constante crescimento do canal. Entretanto, apesar de o consumidor poder contar com um bom atendimento, praticamente em qualquer canto do País, em lojas limpas, bonitas e organizadas – e, ainda por cima, com preços e promoções para lá de favoráveis – tal padronização das drogarias, independentemente da rede ou grupo ao qual ela pertença, tem feito com que o cliente experiencie uma sensação de “déjà-vu” toda vez que entra numa farmácia. O fato é que conseguir se diferenciar nesse segmento não é só uma questão de fidelização dos consumidores, algo, aliás, que as redes procuram desesperadamente. Mais dos que isso, é também uma questão de sobrevivência num mercado que, a cada dia que passa, está mais acirrado e competitivo.

 Apesar disso, nem tudo está perdido. Algumas redes levam essa busca por caminhos próprios muito a sério. E, em vez de tentar abraçar o mundo – produzindo ações para alcançar um público amplo, com a oferta de produtos em todas as categorias possíveis –, acabam enveredando pelo caminho da especialização. E fazem isso, ora escolhendo um público-alvo para ser o centro de suas atenções, ora por meio da oferta de itens altamente especializados em determinadas categorias de produtos.

Apesar de o varejo farmacêutico estar recheado de bons exemplos de drogarias que apostaram todas as suas fichas num nicho e se deram bem, isso não funciona exatamente  comouma garantia para quem opta por uma trajetória semelhante. Longe disso, às vezes, ela pode ser íngreme e complicada. Cristiane Osso, sócia-diretora da GS&MD-Gouvêa de Souza, afirma que tal tarefa  exige muita análise e conhecimento interno, a fim de colaborar com o desenvolvimento de uma identidade coerente e que possa ser facilmente absorvida pelo consumidor. “É importante que os varejistas estejam atentos ao que cada um tem de diferencial, quais os produtos que ele tem maior índice de recorrência nas compras  do consumidor e, ainda,  qual o principal público que frequenta sua loja, a fim de fazer suas escolhas. Logo, existe aí um exercício de pensamento estratégico”, pontua.

A consultora explica que esse é o primeiro passo para criar uma identidade para a rede de lojas. E, a partir daí, não somente se diferenciar na categoria com um atendimento mais focado em um determinado público ou um mix direcionado, como também chamar a atenção de uma classe de consumidores que compartilham aqueles valores que a loja ou rede tentam passar. “Quando essa identidade é criada, automaticamente o varejista abre mão de algumas vendas e de alguns clientes, que vão deixar de ir à loja. Porém, é aí que ele começa a atrair o seu público principal”, ensina Cristiane.

Quem não se comunica...
Nesse momento, entra em cena uma das peças fundamentais para se atuar de maneira segmentada: a comunicação. Depois de trabalhar na construção dos valores que irão conduzir o atendimento e a atuação da loja, o varejista deve investir em uma comunicação eficiente, que informe o seu público-alvo que aquela marca compartilha valores que ele busca em sua farmácia.
 
“A partir do momento em que você sabe qual é o seu propósito, qual sua proposta de valor, o que sua loja tem como objetivo principal, você precisa transformar isso em comunicação para o seu consumidor”, destaca a consultora. Ela ainda lembra que aí estão envolvidas não somente as formas de mídia tradicional, como panfletos ou anúncios em revistas ou televisão, mas também canais de comunicação mais intuitivos, como layout de loja, localização do ponto de venda, equipamentos e até, uniformes de atendentes. “Isso passa por uma comunicação mais formal ou mais tangível, mas também passa por uma comunicação intuitiva que passa para o consumidor se a loja está alinhada com aquela imagem que ela está disposta a entregar”, pontua.

Porém, apesar da importância de um canal de comunicação eficiente com o consumidor, a especialista lembra que o essencial é ter sempre um olho em si mesmo, para saber valorizar e destacar seus pontos positivos, e outro no mercado, para conseguir identificar quais são as oportunidades, e onde estão as lacunas que a concorrência ainda não preencheu. “Se o varejista faz com excelência aquilo que ele busca, o seu negócio deslanchará de maneira mais espontânea e natural, entretanto, estar atento ao mercado é fundamental, o varejista não pode ter a miopia de olhar somente para o seu próprio negócio”, alerta a especialista em varejo.
Algumas redes do varejo farma já estão há muitos anos nesse caminho da especialização, e colhem os frutos dessa escolha. A Drogaria Iguatemi, por exemplo, virou referência na oferta de produtos ligados ao mercado cosmético a um público de classe média alta, tanto que seu slogan - “A butique do bem estar”- destaca de maneira enfática o posicionamento de marca da drogaria. Já a Drogaria Campeã, escolheu trilhar o caminho de preços baixos e lojas na periferia e no interior, para conquistar as classes C e D. Diferentemente da Ultrafarma, que aposta todas as suas fichas para cativar e fidelizar um dos públicos que mais necessitam de medicamento: os idosos.

Independentemente do caminho que essas lojas encontraram para crescer, muitas lições podem ser tiradas de suas trajetórias, sendo que, por meio da opção pela especialização,  elas não encontraram somente uma forma de se diferenciar da concorrência, mas também uma maneira de garantir sua sobrevivência em um mercado cada vez mais competitivo e agressivo.
 

 
Aposta nas classes populares
 
Há quatro anos, os executivos da rede de drogarias Campeã detectaram uma fatia de mercado que seria a chave que abriria a larga porta do crescimento da empresa. Depois de terem acesso a uma pesquisa que indicava que cerca de 70%  dos consumidores não conseguiam prosseguir com seus tratamentos de saúde por falta de dinheiro para comprar os medicamentos, a drogaria resolveu investir em um modelo de ‘farmácia popular’.“A partir disso foi detectada uma oportunidade de negócios visando esse público (classes populares), pois a empresa entende que todos devem ter acesso a remédios com preço justo”, conta o fundador e diretor comercial da Campeã Popular, Giovani Bondança.

Além dos medicamentos de referência, a drogaria passou a ofertar também os similares e genéricos, que além de serem mais baratos, também são negociados a preços mais baixos com os fornecedores, por conta do volume de remédios adquiridos. Ademais, as fachadas das lojas também foram todas reformadas e o nome mudado para “Campeã Popular”, com o intuito de indicar ao consumidor sua nova posição. Obviamente, a rede também direcionou a abertura de novas lojas para locais mais frequentados pelos seus clientes, mais especificamente para bairros periféricos da região metropolitana de São Paulo e cidades do interior do estado, mercado que, segundo Bondança, estava carente de drogarias que adotassem esse modelo de negócio. “Percebemos uma carência no interior de farmácias com esse tipo de proposta, então, vimos aí, uma oportunidade para expandir e ganhar mercado”, destaca o diretor.

Ele ainda conta que nos primeiros seis meses de implantação do novo modelo de negócio, a drogaria registrou uma ligeira queda em seu faturamento que, ainda segundo ele, foi recuperado nos meses subsequentes. Porém, quatro anos depois, a empresa colhe os bons frutos de uma decisão acertada. Desde então, o número de lojas mais do que duplicou, saltando de 14 para 52, sendo que 12 foram abertas somente em 2012, e a meta para esse ano é inaugurar 23 novos pontos de venda.  Seguindo nessa toada, a drogaria pretende dobrar seu faturamento até 2015, além de bater a marca de 100 lojas abertas.

O executivo tampouco se mostra preocupado com a presença das líderes de mercado, como Raia Drogasil e DPSP, ele sequer as considera suas concorrentes, alegando que o seu público-alvo é bem diferente do das grandes redes. “Nosso mercado é diferente do  mercado das grandes redes, porque trabalhamos com foco em produtos de baixo custo (genérico e similar), enquanto as grandes redes trabalham com produtos de alto custo (referência), além de bastante atenção em produtos de higiene, perfumaria”, explica.
 

 
A queridinha dos aposentados
 
Há cerca de 11 anos, quando inciaram-se as discussões sobre os medicamentos genéricos no país, o então dono de uma pequena rede de farmácias, o paranaense Sidney Oliveira, decidiu vender seu negócio e pensar em uma forma de tirar a maior vantagem possível desse novo segmento que estava surgindo no mercado de medicamentos brasileiro. Rumou para Índia, país onde já se tinha uma política mais consolidada de medicamentos genéricos, para entender como isso poderia ser reaproveitado no mercado brasileiro. Lá, o empresário constatou que um dos modos mais eficazes de cortar ainda mais os custos dos medicamentos, seria focar no atendimento via internet ou televendas, reduzindo assim os gastos com ponto de venda. “Começamos com apenas uma loja na Avenida Jabaquara, no bairro da Saúde, em São Paulo. Desde então crescemos e nos modernizamos”, relembra Sidney Oliveira, presidente da Ultrafarma.

Foi assim que nasceu a Ultrafarma, rede que se diferencia das demais varejistas do segmento, não somente pelos preços baixos derivados do bem fundamentado trabalho com os medicamentos genéricos, mas também pelo foco no público que mais necessita e consome medicamento: os idosos. “Com este foco bem definido, a Ultrafarma desenvolveu uma série de atividades voltadas a dar mais atenção para o público da terceira idade,” explica a diretora comercial da Ultrafarma, Rejane Marques.

Diferentemente das demais redes do varejo farma, a Ultrafarma não somente oferece preços e promoções especiais para o público mais velho, mas também direciona suas campanhas especialmente para ele, sendo que o garoto-propaganda da marca- e que aliás é muito querido pelos idosos- é o próprio presidente e idealizador do negócio. Além disso, a empresa também conta com diversos veículos de comunicação próprios, como o Jornal da Saúde e um programa de televisão, exibido todos os dias da 1:00 às 6:00 da manhã, na TV Gazeta.

Porém, as ações para idosos não pararam por aí, além de manter um serviço de orientações de saúde e previdenciária, a rede ainda conta com o Espaço Ultrafarma, um centro de convivência localizados no bairro paulistano da Saúde, onde são oferecidos para o público da Terceira Idade cursos e palestras, tudo gratuitamente. A Ultrafarma ainda realiza o Ultrabaile, uma festa ao melhor estilo “Baile da Nostalgia”, realizado mensalmente no espaço Homs na Avenida Paulista, frequentado pelos clientes da farmácia, que recebem o convite gratuitamente ao adquirirem seus medicamentos. Todos esses serviços que a rede deixa à disposição de seus clientes, acabaram por fidelizar esse público, além do que,  a diretora comercial da empresa destaca que essas ações sociais se tornaram uma marca registrada da Ultrafarma, e que dessa maneira, a rede conseguiu trazer para o varejo farma brasileiro um novo conceito de drogaria: “Paralelamente, a empresa que revolucionou o setor com a venda de genéricos, trouxe também um novo conceito de farmácia, ao oferecer ações sociais voltadas para a saúde e melhoria na qualidade de vida, principalmente, para o público da Terceira Idade”, pontua a executiva.
 

 
Posicionamento classe A
 
A duras custas, as grandes redes do varejo farma perceberam que a venda de artigos cosméticos e de higiene pessoal poderia ser um grande complemento para o rendimento das lojas. Ainda hoje, nem mesmo o faturamento de R$1,9 bilhão que esse tipo de produto gerou para as redes associadas à ABRAFARMA no ano de 2011, e o crescimento acima dos 20% na comercialização desses artigos nas farmácias, ainda nesse mesmo ano, parece ter feito os executivos que controlam as grandes redes perderem a timidez e gastarem mais tempo e dinheiro com a oferta de categorias quase que esquecidas pelo varejistas do setor, como itens de perfumaria, maquiagens e sabonetes sofisticados.

Enquanto a maior parte das redes insiste no caminho da oferta de uma ampla gama de medicamentos a preços mais baixos, para aumentar o faturamento e, claro, fidelizar o consumidor pelo bolso, a Drogaria Iguatemi preferiu transformar a oferta de itens cosméticos e de higiene pessoal de alto valor agregado em sua galinha dos ovos de ouro.

No mercado há 40 anos, a drogaria foi a primeira do país a congregar em perfeita sintonia na loja, os medicamentos e os itens cosméticos e de higiene pessoal, muitos deles importados e somente encontrados em lojas especializadas. Com a oferta de um mix tão exclusivo, obviamente que o público almejado pela Iguatemi é o mais endinheirado do país, as classes A e B, que não têm medo nem dó de investir uma generosa quantia na compra de um dermocosmético com tecnologia de última geração ou em um sabonete para lá de sofisticado.

Com isso em mente, a drogaria é como artista, vai aonde o povo está, ou melhor, onde “seu” povo está. Suas lojas estão localizadas em alguns dos endereços mais caros e badalados do estado de São Paulo, como os shoppings Iguatemi, JK Iguatemi e Market Place, os três na capital paulista, assim como nos shoppings Iguatemi de Alphaville e de Campinas, na grande São Paulo e Interior, respectivamente. Além da localização privilegiada, a Iguatemi também investe pesado em um layout diferenciado de loja, que se assemelha mais a uma perfumaria do que a uma farmácia.

Porém, suas ações de diferenciação não param por aí. O diálogo da marca com seu sofisticado consumidor é tête à tête, com um trabalho fortíssimo que envolve a produção de uma revista distribuída para seus clientes, a Revista DI, assim como a manutenção do Blog da Didi. Se o cliente espera dicas de saúde, ou matérias e posts sobre o poder da linhaça ou os benefícios do suco de beterraba para saúde, pode esquecer, os informativos da DI possuem conteúdos ultra direcionados para beleza e estética, além de dicas de viagem e notícias sobre celebridades e cultura, tudo pensado, desenvolvido e distribuído para um público  seleto.

É mais do que claro, que todo esse esforço deu resultado. A Drogaria Iguatemi virou referência na comercialização de produtos cosméticos e no atendimento às classes mais elevadas, focando não em preços agressivos, mas em uma ampla oferta de produtos exclusivos e sofisticados e em um atendimento diferenciado. Cristiane Osso, da GS&MD-Gouvêa de Souza acredita que a DI é um dos grandes cases de drogarias que apostaram em nichos no Brasil, por conta de seu mix diferenciado e seu posicionamento de perfumaria de luxo. “A DI se posiciona quase como uma perfumaria de luxo,  ela possui uma variedade muito grande de produtos de categorias como maquiagem, cosméticos, produtos para pele, além de oferecer produtos importados e um atendimento diferenciado, ela possui um posicionamento muito específico e está localizada em pontos de grande fluxo do seu público”, analisa a executiva.
 

 
Sem açúcar, com afeto
 

A farmacêutica Mônica Lanzi, depois de ter sido demitida de uma multinacional, onde atuava como executiva de vendas, decidiu investir todas as suas economias na abertura de uma farmácia especializada em produtos para diabéticos.

Essa simpática mineira, que vive em Blumenau, cidade onde fica a sede da Doce Vida, sua farmácia, conta que percebeu, mesmo não sendo diabética, que as pessoas com esse problema necessitavam ir em diversos lugares diferentes para conseguir os produtos e medicamentos que necessitavam. Ela também se deu conta de que o nível de atendimento e informação de estabelecimento como farmácias e supermercados, estava muito aquém do que esse público realmente precisava, além de, na maioria das vezes, os produtos estarem expostos de maneira desorganizada, muitas vezes misturados a itens para não-diabéticos. “Eu percebi que muitas farmácias não vendiam insulina, ou algumas vendiam a caneta, mas não comercializava a agulha, ou ainda não possuíam a seringa. Os funcionários não são treinados para dar orientação, ou ainda, nas gôndolas dos supermercados, tudo estava misturado, light e diet. Então eu pensei: por que eu não posso colocar tudo em lugar só e, além disso, orientar o paciente diabético a utilizar a medicação corretamente?”, relembra a empresária.

O desejo da farmacêutica era montar uma farmácia que fosse a extensão do consultório médico, com atendentes preparados e capacitados para atender e orientar esse público, que possui necessidades tão particulares. Para isso, foi preciso convencer a classe médica de Blumenau do papel fundamental da farmácia no combate e tratamento do diabetes. “Hoje é sabido que para tratar o diabetes é preciso uma equipe multidisciplinar. Então, no início eu consultava os médicos e dizia que eu queria ser a extensão de seus consultórios, que as informações sobre aplicação de insulina, sobre como tomar medicação e fazer o teste, poderiam ser todas adquiridas no balcão da farmácia. O grande desafio foi convencê-los de que isso seria possível”, confessa ela.

O fato é que o bom atendimento e as orientações para o paciente com diabetes foram os trunfos na manga de Mônica para fazer o seu negócio prosperar. Em 2008, a empresária deu outro importante passo e, bastante certeiro por sinal: levou a Doce Vida para o e-commerce, e passou a adoçar a vida de diabéticos em todo o País. Hoje, ela revela que 70% do faturamento da empresa deriva da operação on-line, sendo que no ano passado, a Doce Vida registrou faturamento de um milhão e meio de reais.

Entretanto, apesar do crescimento que a internet proporcionou à Doce Vida, Mônica tinha o receio de que seu grande diferencial, o atendimento, fosse prejudicado por conta da distância. “A nossa maior preocupação quando entramos no virtual  foi como conseguiríamos transferir o atendimento dado no balcão, para a internet, pois eu não estou vendo a pessoa, não estou ali com ela”, acrescenta. A resposta encontrada pela equipe da farmácia foi simples e eficaz: redes sociais. Por meio de uma página no Facebook, que possui cerca de 28 mil fãs, um blog que fala especialmente sobre diabetes e seus tratamentos, além de um canal no YouTube com  vídeos instrutivos, tudo desenvolvido por profissionais da área da saúde, a Doce Vida consegue orientar e auxiliar diabéticos de diversos lugares em seus tratamentos.

Porém, as ideias arrojadas de Mônica Lanzi não param por aí, e o céu é o limite para um mercado onde tantas pessoas demandam  atendimento e produtos especializados. A farmacêutica já começou a planejar a expansão do atendimento da Doce Vida para pacientes com intolerância à lactose e alergia à glúten. “Muitas crianças diabéticas tipo 1 também são celíacas, quer dizer, possuem intolerância à glúten, e é muito difícil você encontrar alimentos que não tenham açúcar, porém que tampouco contenham glúten”, explica a dona da Doce Vida.
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