Olhando para fora

Olhando para fora
Internacionalizar sua operação pode ser uma maneira consistente para a construção de marcas e um contrapeso às fraquezas da economia local. Mas há diversas questões a serem cuidadas


Um dos grandes trunfos das grandes multinacionais, mais até do que o seu próprio tamanho, é a distribuição das suas vendas nas diferentes geografias do globo. Na maior parte dos trimestres, alguns países vão estar bombando enquanto outros vão estar deprimindo. Além disso, com uma cesta de moedas mais amplas, os movimentos de altas e baixas tendem a ser absorvidos com mais ?suavidade?. Num mundo globalizado e de crescimento desigual, esse balanço geográfica torna a vida das multinacionais um pouco menos tensa, do que uma grande empresa que depende exclusivamente de um mercado. É natural supor que, em algum momento, a curva desse mercado tende a se inverter.

Mas o movimento de ir para fora do país não é algo que deva estar restrito apenas às grandes empresas. Mais do que dinheiro ? e ele é necessário ? é importante ter em mente que para construir um negócio consistente no exterior exige, invariavelmente, perseverança, paciência e atenção in loco. ?A tradição exportadora do Brasil tem estado desde sempre ligada aos chamados commodities, enquanto que os manufaturados continuam a ocupar um lugar relativamente modesto na pauta de vendas ao exterior?, ressalta Manuel Ramos, diretor da exportadora Lextrade. ?No setor da cosmética, teríamos todas as condições para reverter esse cenário num prazo relativamente curto, uma vez que possuímos a maior biodiversidade do planeta e uma criatividade inesgotável, fatores importantes que nos permitem a construção de um negócio internacional de muito sucesso?, diz.

Detalhes a atentar
Sem dúvida, há inúmeros obstáculos a serem vencidos, sendo a maior parte deles ligados a dificuldades que as empresas nacionais vivenciam no dia a dia e que em geral não permitem sobra de tempo e energia para se dedicarem à ?aventura? da internacionalização. A consciência de que a exposição salutar à concorrência mundial acaba trazendo inúmeras vantagens, que poderão se refletir até no próprio mercado de origem do produto. ?Com o advento nos últimos anos de regras mais rígidas, em quase todos os mercados, talvez o maior desafio que se coloca atualmente às empresas em busca da internacionalização, seja conseguir se adaptarem e resolverem as exigências regulatórias de cada mercado, e nosso enfoque como exportadora tem sido de tentar buscar parcerias e soluções para esse processo de adaptação?, pondera Ramos.

Passar de uma atuação em um único mercado, ainda que com 200 milhões de habitantes, para operar em outros, ainda que individualmente menores, exige uma mudança de mindset. O melhor exemplo dessa estratégia é a gigante da venda direta Natura. A empresa que tem sofrido para manter sua posição no Brasil, cresce por conta das suas vendas internacionais, que já somam perto de 40% e tornam a empresa menos sensível às frequentes oscilações de humor da economia brasileira. Mas a Natura não alcançou esse patamar da noite para o dia. Pelo contrário, foram décadas entre a entrada da empresa em mercados como Argentina, Chile e Peru até chegar no patamar atual. E durante a maior parte desse período a Natura perdeu dinheiro.

Na opinião de Rodrigo Goecks, fundador da Yenzah, é o momento de as marcas brasileiras construírem uma reputação em outros países, mas é relevante um projeto de branding estruturado a uma estratégia de distribuição consistente. ?Vender é uma coisa, construir marca totalmente diferente, e o que queremos são as duas coisas, mas de forma estruturada e consistente, e por isso pensando no longo prazo, com calma, para entender a cultura e as específicas necessidades das consumidoras dos países nos quais focamos, sendo um na América do sul e outro na Europa?, explica sem detalhar quais são eles, Goecks.
 
É sabido que um processo de internacionalização muitas vezes é demorado, já que firmar a presença no mercado externo exige paciência, investimentos e, principalmente, consistência. Há uma dificuldade cultural para as empresas brasileiras, pouco acostumadas a lidar com investimentos que precisam ser sustentados por longos períodos de tempo. Culturalmente, sair do imediatismo e ter a consciência de que uma marca forte internacionalmente exige energia, tempo e capacidade de entendimento de mercados diferentes assusta a muitos, que preferem focar suas energias apenas no mercado interno. ?O Brasil é continental e é difícil operar aqui, com um emaranhado tributário e logístico. Por essa razão, acabamos, muitas vezes, por focar aqui?, explica o dirigente da Yenzah.

Ramos, da Lextrade, endossa a afirmação anterior. ?Salvo algumas honrosas exceções, continuamos permanecendo na zona de conforto de um mercado interno muito grande e ainda relativamente pouco exigente. Escutamos inúmeras vezes empresários do setor se questionando sobre a razão de exportar, dado que ainda não exploraram todo o enorme potencial do mercado interno?, lembra. ?Para mim, trata-se de uma visão equivocada, uma vez que a exposição ao mercado internacional só poderá trazer benefícios às empresas, inclusive com reflexos no mercado nacional?, justifica.

No entanto, há de se considerar que a vantagem de uma operação internacional bem estabelecida é que ela pode funcionar como um contrapeso às fraquezas da economia local, fortalecendo a empresa, a marca e a longevidade. Um bom exemplo é o fato de a Coreia do Sul ter exportado somente para o mercado chinês no primeiro semestre de 2016 o equivalente a US$ 1,81 bilhões (fonte: BBC Brasil) em cosméticos e produtos de cuidados pessoais, o que nos dá uma pequena ideia do potencial em questão.

O que ainda acontece é que muitas companhias daqui apenas limitam-se a exportar contêineres, o que é muito diferente do que construir uma marca, um canal, um negócio internacional. Além disso, os ?exportadores? ficam sempre a mercê do câmbio. Agora, surge uma nova oportunidade, com o mercado interno comprimido e um câmbio muito favorável, as empresas têm mais uma chance para pensar seriamente em construir seus negócios além das nossas fronteiras de maneira sistemática e consistente.

Flutuações cambiais sempre fizeram e continuarão fazendo parte do cenário internacional de negócios. Há que aprender a conviver com essa realidade que de modo algum deverá ser impeditiva de um fluxo permanente de vendas. É preciso, contudo, recorrer à criatividade para encontrar novas soluções que permitam conviver com situações cambiais menos favoráveis. A decisão de exportar deverá sempre ser muito bem analisada e fundamentada, e terá que levar em conta que os ventos nem sempre soprarão do lado certo.

A ideia de aproveitar uma conjuntura de mercado interno em contração e câmbio favorável para decidir exportar, é em si uma armadilha perigosa. ?Mais para frente, a situação mudará e se a política de exportação for simplesmente baseada no oportunismo e no 'stop and go', todo o investimento feito poderá vir a ser jogado fora e, pior, a empresa ficará com sua reputação irremediavelmente arranhada junto aos clientes internacionais?, alerta Ramos.

Além das fronteiras
Para a Natura, por exemplo, as operações internacionais têm se tornado cada vez mais relevantes para os negócios. Fora do Brasil, a marca está presente em seis países da América Latina: Argentina, Peru, Chile, México, Colômbia e Bolívia. De acordo com João Paulo Ferreira, vice-presidente comercial da empresa, o investimento na internacionalização da marca é um elemento importante da estratégia da empresa. Apenas no ano passado, as vendas fora do País cresceram 26%, e com o mercado doméstico estagnado, já respondem por 40% do faturamento da Natura.

Outra empresa em fase de internacionalização, a ECosmetics, da Bahia, está preparando a instalação de um centro de distribuição de seus produtos capilares nos Emirados Árabes. Ao buscar espaço para se inserir no mercado externo, a empresa passou a procurar regiões onde houvesse poucas companhias de cosméticos capilares.

Também no mercado externo, a Truss se preparou durante anos para ingressar no mercado norte-americano. Durante esse tempo, estudou o mercado e contratou uma equipe especializada e, desde a concepção da empresa, desenvolveu estratégias para conquistar os clientes mais exigentes. Como explica a CEO e fundadora da Truss Cosmetics, Manuella Bossa, uma das vantagens da operação internacional é funcionar como contrapeso às mazelas do mercado interno. ?A Truss tem toda uma equipe e estrutura voltadas à expansão geográfica da empresa, como forma de garantir escala de crescimento, e com isso ganhamos competitividade e ampliação de mercado, diversificação de portfólio, uma vez que lançamos e relançamos produtos com características mais próximas a realidade do mercado internacional, obtivemos melhorias de eficiência, uniformizamos imagens, rótulos, produtos, catálogos, entre outros?, enumera Manuella. ?Tivemos o cuidado de nos preparar para este processo de maturação, nos programamos para este período de investimento?, lembra.
    
O modelo da ?empresa genuinamente brasileira? vem sendo substituído pelo da ?empresa global?, em que  os benefícios são indiscutíveis quando existe preparo e competência. Especialistas na atividade de internacionalização de empresas ressaltam que esta não pode ser uma aventura, e que ainda é comum que muitos empresários brasileiros a façam sem o mínimo de planejamento e estrutura. ?Muitos nem indústria tem, não conseguem cumprir prazos, nem manter padrão de qualidade, isso é ruim por que acaba denegrindo a imagem do Brasil. Por isso, reafirmo a necessidade de pensar no todo e não apenas nos ganhos?, conclui a CEO da Truss.

Há 30 anos com presença no mercado externo, a Inoar conta com distribuidores nos mais de 40 países e total apoio e suporte técnico. De acordo com Waldeney Santos, diretor de comércio exterior da empresa, é fundamental apostar na tríade qualidade dos produtos oferecidos, treinamento e educação constantes para aumentar seu potencial de crescimento e expansão. ?Justamente por saber de todas as dificuldades envolvidas no processo de internacionalização, a empresa investe constantemente na abertura de novos mercados para atender à crescente demanda, e com isso, saiu de um patamar de dez países em 2010, para mais de 40 países em 2016?, analisa Santos. ?Uma marca de produtos já consagrada no mercado interno, que expande suas fronteiras para o mercado internacional com seriedade, profissionalismo e responsabilidade, sempre com produtos e serviços de excelência, seguramente será perene no tempo?, defende.

A Doctor Hair, que foi repaginada e agora figura no mercado como DO.HA, começou há dois anos a investir no rebranding da marca de olho no mercado externo. Para Aline Motta Fernandez, coordenadora de Marketing da empresa, a presença da DO.HA no mercado internacional favorecerá o crescimento da marca de forma mais ágil e estruturada, aumentando os lucros e favorecendo novos investimentos, principalmente em divulgação da marca e em novos produtos. ?Repaginamos totalmente a identidade visual da marca desde logo até formulação, embalagens e rótulos, inclusive, os rótulos atuais estão em cinco idiomas: português, inglês, francês, espanhol e árabe, e no momento estamos buscando distribuidores nos EUA e Europa?, vislumbra a executiva. ?Um dos pontos favoráveis da exportação é que, se estivermos bem estabelecidos no mercado externo, independentemente do cenário econômico do Brasil, teremos mais segurança financeira de uma forma geral na empresa?, pontua.

Num cenário de globalização dos mercados, não faz mais sentido limitar-se às fronteiras do País. Empresas que não entenderem isso, certamente enfrentarão dificuldades mais adiante. O mercado brasileiro, pela sua dimensão, é extremamente apetecível a empresas estrangeiras, que uma hora virão munidas de capital, tecnologia e competitividade. Há de se estar preparado para esse tipo de eventualidade e nada melhor do que aprender no mercado internacional como conviver e reagir com esse tipo de situação. Para isso, a operação deve priorizar o longo prazo, com investimentos sustentados por períodos relativamente extensos. No entanto, os resultados tendem a compensar, e muito!
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