Perfumaria no Brasil: Bons ares para diversificação

Ao assumir a liderança do mercado mundial de perfumaria, o Brasil chamou para si as atenções dos mais variados players do mercado global de beleza, o que acirrou a concorrência entre marcas e canais neste segmento


Pode ser nos catálogos, nas lojas de franquia, nas perfumarias selecionadas e, até mesmo, nas farmácias; o fato é que um número cada vez maior de marcas de fragrâncias se aventuram no mercado brasileiro de perfumaria buscando somente uma coisa: um lugar cativo no maior e mais efervescente mercado de perfumaria do mundo.

De acordo com dados da Kantar World Panel, consultoria especializada na coleta e análise de dados sobre consumo em diversos países, mesmo com um panorama pouco favorável, que envolve o aumento da taxa de juros, do dólar e da inflação – três fatores que ajudam a entender a razão pela qual o Produto Interno Bruto brasileiro não passou dos 2,2% no ano passado –, o mercado brasileiro de fragrâncias, assim como o de cosméticos e higiene pessoal, mostra que não perdeu fôlego, e segue apresentando resultados positivos, tanto em valor quanto em volume. Segundo o levantamento da Kantar, em 2013, a categoria apresentou um crescimento de 4% em termos de volume e de 17% em vendas ao consumidor.

Além disso, a pesquisa realizada pela consultoria também destaca dois outros pontos interessantes, que têm a ver com o perfil do novo consumidor de fragrâncias brasileiro. Primeiramente, os estudos mostram que a classe C segue sendo a mola propulsora da categoria, haja vista que o consumo deste tipo de produto entre os indivíduos desta classe cresceu 4% no último ano; a segunda questão relevante destacada pela pesquisa é que aumentam as vendas das fragrâncias com valores mais elevados.

Esses e outros números têm colocado o Brasil no radar de empresas que atuam no segmento ao redor do mundo e de empresários nacionais que possuem negócios consolidados em outras áreas. Jequiti, Mary Kay, Belcorp, Fuller, L’Occitane e Eudora são somente algumas marcas que apareceram recentemente para brigar por um lugar na perfumaria nacional. “O mercado brasileiro está cada vez mais no centro das atenções dos nossos executivos pelo crescimento da Mary Kay Brasil e, no caso de fragrâncias, por ser o mercado número um do mundo”, revela Shana Peixoto, diretora de Marketing da Mary Kay. Já para a peruana Belcorp, o fato de contarem com três marcas dedicadas a públicos distintos permite que seus consultores apresentem a seus consumidores caminhos olfativos e ofertas diferenciadas. “Esta combinação resultou em um crescimento médio da categoria na operação brasileira de 9% no ano passado. A tendência para 2014 é seguir evoluindo”, informa Claudio Eschecolla, diretor-geral da Belcorp Brasil.

Como era de se esperar, a entrada de novos players no mercado acirrou a concorrência não somente entre marcas e empresas, como também entre canais. Dominado durante muitos anos por empresas que atuavam na franquia e na venda direta; nos últimos anos, o mercado também ganhou novos contornos em relação aos canais de venda, por conta, principalmente, da expansão do e-commerce, da abertura de redes de varejo de beleza seletivo como Sephora e The Beauty Box – a primeira do Grupo LVMH e a segunda do Grupo Boticário – e, até mesmo, do surgimento das lojas conceitos, adotadas por marcas como Eudora e Natura, como poderosas ferramentas de experimentação e branding.

O novo consumidor brasileiro de fragrâncias
Entretanto, não foram somente esses dois últimos fatores que auxiliaram a acirrar o mercado brasileiro de fragrâncias. O perfil do consumidor brasileiro também mudou radicalmente de alguns anos para cá, por conta de algumas questões. “As pessoas têm acesso hoje a novos mercados, a informações de todos os cantos do mundo. Isso faz com que elas conheçam muito mais o mundo da perfumaria, sofistiquem seu consumo e aumentem a exigência”, expõe Marselha Tinelli, gerente de perfumaria de O Boticário.

Complementando o raciocínio da gerente, a penetração das fragrâncias internacionais aumentou entre os brasileiros, não somente em virtude do aumento do número de viagens ao exterior, como também pela própria popularização e amadurecimento do ambiente virtual, que permitiu que ele não somente conheça marcas famosas internacionalmente, como também as adquira por meio de alguns cliques.

Além disso, Daniele Bibas, vice-presidente global de fragrâncias da norte-americana Avon, explica que o próprio mercado de essência no Brasil se sofisticou muito nos últimos anos, produzindo itens de higiene pessoal, limpeza e aromatizantes mais elaborados; fato que auxilia a impor novos padrões olfativos aos consumidores, abrindo espaço para o mercado de Fine Fragrances. A diretora de marketing da Mary Kay corrobora a percepção das executivas da Avon e de O Boticário. “Acredito que o desejo e a busca pelo luxo estão mais presentes na mente do consumidor, mas vejo isso como uma tendência global.”

Reação das marcas nacionais
As marcas nacionais – ou mesmo internacionais que há décadas atuam no Brasil, como a Avon – não ficaram de braços cruzados contando somente com o nome que construíram ao longo dos anos e com seu conhecimento de mercado. Sofisticação tem sido o conceito chave para o desenvolvimento de fragrâncias de marcas tradicionais como Natura, Avon e O Boticário. “Observamos no nosso monitoramento de concorrência que não só a chegada das internacionais, mas também as marcas nacionais estão atuando muito bem”, pontua Brian Drummond, gerente de Marketing da Mahogany. “Por conta disso, percebemos que estamos vivendo anos de muita disputa, de muita concorrência com todas as marcas”, conclui.

Inserida nesse cenário, a Avon fez um movimento estratégico para aumentar e sofisticar o seu portfólio de fragrâncias em seu maior mercado consumidor: anunciou uma parceria com a Coty, empresa que possui em seu portfólio marcas como Marc Jacobs, Calvin Klein e Adidas. De acordo com a VP global de fragrâncias da Avon, caberá à Coty o desenvolvimento, o conceito, a história e a propaganda do produto; já a Avon será responsável pela distribuição, comercialização e ativação local. Porém, a gigante norte-americana do porta a porta não é a primeira a trilhar o caminho das parcerias com companhias com forte atuação internacional. Antes dela, a Jequiti, braço cosmético do grupo Silvio Santos, já havia se aventurado nessa direção, com o objetivo de competir com Natura e Avon, até então, os dois grandes nomes do porta a porta que atuavam fortemente no universo das fragrâncias. As alianças feitas com a própria Coty, com a divisão de luxo da P&G e com Elizabeht Arden, fez da Jequiti a primeira empresa brasileira a investir de maneira pesada nas marcas de celebridade e life style, deixando assim sua marca no mercado brasileiro de perfumaria.

Entretanto, todo esse glamour injetado na veia da perfumaria nacional recentemente tem um custo, que tem sido absorvido de maneira tranquila e natural pelo consumidor. De acordo com dados da Kantar, o preço médio das fragrâncias subiu 13% em 2013, assim como o ticket médio, que aumentou 14%. Ainda segundo a consultoria, aumentou a procura por perfumes com preços acima dos R$ 75 no País, sendo que estes já são responsáveis por 46,8% do mercado em valor e 23,1% em volume; enquanto que, em 2010, esses números correspondiam a 10,9% e 26%, respectivamente.
A trilha das parcerias internacionais não foi a única adotada pelas empresas nacionais de perfumaria. As mais diversas marcas nacionais deram saltos incríveis de qualidade em relação às tendências olfativas, embalagens, publicidade e canais de venda. “Por muito tempo os produtos brasileiros foram sinônimos ou de cópia, ou de baixa qualidade. Porém, houve um trabalho muito intenso dos principais players de elevar a qualidade e a média para que os brasileiros também se tornem fiéis aos produtos nacionais”, conta Brian Drummond.

Mesmo que o consumidor esteja flertando de maneira mais aberta com as marcas internacionais, Daniele revela que estas fragrâncias não representam, ainda, nem 10% do mercado nacional, sendo que as marcas locais ainda possuem um trunfo na manga para cativar o seu consumidor: o conhecimento e o diálogo de anos que elas mantêm com ele. “O que nos difere das demais marcas internacionais realmente é o conhecimento mais preciso do consumidor brasileiro”, confirma Marselha, de O Boticário.

Concorrência também entre canais
O acirramento da concorrência no mercado de perfumaria brasileiro não ficou restrito somente às marcas de perfume. A forma como se comercializa fragrâncias também adquiriu novos contornos, com a entrada de novos canais e a expansão de antigos.

O mercado de perfumaria brasileiro cresceu graças ao porta a porta e às franquias, que sempre ocuparam o espaço deixado pelo varejo seletivo e pelas grandes lojas de departamento, tão comuns na Europa e nos Estados Unidos. Segundo dados da Kantar, o porta a porta segue sendo o canal que mais cresce no País: 3,6%, o que justifica a entrada de marcas que atuavam em outros canais, como a franquia, nesse mercado.

A Mahogany e O Boticário são duas marcas que nasceram no varejo, porém viram na venda direta uma oportunidade para expandir ainda mais suas operações. No ano passado, explica Brian Drummond, a Mahogany criou o projeto “Mahogany em Casa”, um sistema em que a consumidora faz seu pedido via consultora, e esta última utiliza uma loja credenciada como um centro de distribuição. “O grande diferencial em relação ao formato tradicional é que nós temos os pontos físicos, ou seja, a revendedora possui um acesso muito mais facilitado através de uma franquia do que esperar vir pelo correio; e o consumidor também pode passar na loja e trocar o produto ou fazer uma compra complementar”, detalha o executivo.

Apesar do constante crescimento da venda direta – que pode ser explicado como uma consequência pelo crescimento mais robusto da perfumaria entre a classe C e nas regiões Norte e Nordeste, onde ainda existem pontos geográficos que a venda por catálogo é mais eficaz –, alguns movimentos que aconteceram nos últimos anos prometem mudar os rumos da perfumaria brasileira, mesmo que seja a longo prazo. A chegada da Sephora – a mais famosa rede de lojas de beleza do mundo – e a abertura da The Beauty Box, rede do grupo Boticário de varejo seletivo, que trabalha com marcas nacionais e internacionais; vem dar gás ao varejo seletivo no Brasil que era, praticamente, inexistente, aproximando as consumidoras brasileiras de itens de beleza vindos de fora e as apresentando a novas paletas olfativas.
Mesmo ciente de todos esses aspectos positivos trazidos pelas duas redes de lojas, a executiva da Avon não as vê como uma ameaça, por um motivo bastante forte. “O impacto da entrada dessas duas redes ainda é pequeno aqui no Brasil, porque, infelizmente aqui, as tarifas de importação são muito altas, o que acaba encarecendo muito as fragrâncias internacionais”, analisa.

Força do virtual
Outro canal fundamental para qualquer marca que queira sobreviver aos novos tempos é o e-commerce que, com sua praticidade e facilidade de acesso, conquista mais consumidores a cada dia que passa. Não só, a própria profissional da Avon lembra que as novas gerações de consumidores já possuem uma familiaridade com o ambiente virtual praticamente embutidas em seu DNA. Breno Salek, gerente de Marketing e Vendas da The Beauty Box, também ressalta as características positivas do e-commerce “É um canal mais agressivo, mais dinâmico e que oferece muita conveniência para o consumidor”, observa.

Porém, ao mesmo tempo que o e-commerce é um canal que oferece às marcas de beleza inúmeras oportunidades para aumentar seu volume de vendas, ele também é tratado com cautela por aquelas que fizeram sua história através das franquias e da venda direta, pois a venda pela internet pode vir a concorrer fortemente com quem sempre ajudou a fazer o sucesso de tais marcas: os franqueados e as representantes de vendas. “Existe uma mudança de canal importante que está acontecendo não só no Brasil, mas no mundo inteiro. A internet está ganhando muito espaço, e no dia que todo mundo tiver acesso, todas as recompras serão feitas através deste canal. Então, para a categoria como um todo, acho que todo mundo está se mexendo para conseguir descobrir como integrar isso em seu respectivo modelo de negócio”, destaca a vice-presidente de fragrâncias da Avon.

E qual é o papel das franquias e lojas próprias nesse futuro de e-commerce forte, grandes redes de perfumaria seletiva e um agressivo porta a porta, que chega onde poucos chegam? A respostas para esta pergunta está na experimentação. Cada vez mais, as lojas serão não somente um mero ponto de venda, mas um espaço desenvolvido para que os clientes entrem no universo da marca, conhecendo e experimentando os produtos, para poder comprá-los e recomprá-los onde lhes for mais conveniente. Não é à toa que marcas como Mahogany e O Boticário – duas tradicionais marcas de franchising – tenham investido pesado na reformulação de seu layout de loja nos últimos anos; assim como Eudora e Natura apostaram em lojas conceitos que agregam valor às respectivas marcas, que podem ser encontradas também no porta a porta.

Esse movimento de investimento em múltiplos canais que tem sido observado nos últimos anos no mercado brasileiro de perfumaria mostra que o multicanal será uma realidade nos próximos anos, sendo que, quem ainda não fez uma ação concreta nesse sentindo, já está se preparando para se adequar a essa nova realidade. “No futuro todas as companhias de beleza vão precisar ter um modelo multicanal, independentemente de qual modelo você começou, pois é assim que o consumidor vai se comportar. Vimos no último ano a situação de que quem tem varejo está abrindo venda direta, quem tem venda direta está abrindo internet, quem tem internet está fazendo aliança com venda direta; ou seja, todo mundo vai querer estar em tudo quanto é lugar e isso é inevitável”, finaliza Daniele, da Avon.
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