Um passo para trás

Um passo para trás
A peruana Belcorp reposiciona o seu negócio no Brasil com foco em uma marca, novo plano de compensação para os revendedores e a certeza de que o retorno só vira no longo prazo


Por mais que você estude, tenha planos sólidos e faça pesados investimentos, o Brasil é sempre um país cheio de surpresas e peculiaridade para as empresas estrangeiras que aportam por aqui. A peruana Belcopr, segunda maior empresa de cosméticos de origem latino-americano, que o diga

A empresa chegou ao Brasil em 2010, no auge da euforia com a economia brasileira. Mas justiça seja feita, no caso da Belcorp, ao contrário de muitos outros casos recentes, e empresa não aterrissou por aqui como um franco-atirador. Executivos da empresa dedicaram muito tempo para pesquisar e estudar o mercado brasileiro. Foram anos –mais de 15 – ensaiando a entrada no país, que desde meados dos anos 1990 despontava como um dos maiores em praticamente todas as categorias do mercado de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos global. A demora da Belcorp tem muito a ver com o tamanho do investimento necessário para fincar os pés no Brasil e conseguir um lugar ao Sol, e, também, com a mais do que conhecida por nós, dificuldade de fazer negócios no Brasil. “É claro que o mercado brasileiro é o que possui maior potencial de todos, mas também é um mercado muito complexo”, disse o fundador e presidente da empresa, Eduardo Belmont, em uma rara entrevista concedida à Atualidade Cosmética no final de 2013. Para ele, “a abertura no Brasil foi um momento-chave para o futuro da empresa, pelo que o país pode oferecer para a corporação.”

De certo, o Brasil ainda representa uma oportunidade muito grande para os negócios da Belcorp. Mas, para se converter em realidade, o sucesso por aqui vai demandar um pouco mais de trabalho e, principalmente, tempo para se concretizar. “Não era tão simples como a gente pensou”, reconhece Nivaldo Frutuoso (foto), que desde março de 2015 é o diretor-geral da Belcorp no Brasil. Com décadas de experiência e forte background na região, o grupo acreditou que o Brasil funcionaria não igual, mas ao menos próximo do que acontece em outros mercados da região. Foi um problema por vários motivos: língua diferente, peculiaridades culturais, um modelo de negócio multinível, diferente do que a companhia operava em todos os outros países da região, tudo isso sem falar na incrível complexidade do sistema regulatório e tributário brasileiro. “Nos outros países da região, em geral, você tem um imposto de saída e outro de entrada, aqui você tem uma infinidade e as regras mudam a toda hora”, diz Nivaldo. O executivo tem conhecimento da realidade das outras regiões. Antes de assumir o posto atual, ocupou a gerência-geral da Belcorp nos países caribenhos. Na Avon, onde começou sua carreira na venda direta, ocupou posições de alta gerência e direção na área de vendas do Brasil, México e na região do Caribe.

Quando viu que os rumos tomados pela companhia não lhe garantiria uma posição sólida no futuro, a opção da empresa foi de se voltar para dentro e repensar o negócio, reajustando a empresa totalmente as necessidades do mercado local. “Foi necessário passar todo o ano de 2015, olhando para dentro, readequando a estrutura da companhia ao mercado em diferentes frentes e por diferentes motivos”, conta Nivaldo. Vencida essa fase, o executivo diz que a Belcorp está pronta para voltar ao jogo.

Menos catálogos, mais foco
Um dos pilares do negócio da Belcorp é o fato da companhia oferecer três catálogos diferentes às suas consultoras, das marcas L´Bel, Ésika e Cy.Zone. Essa diversidade foi amplamente explorada na introdução da empresa no Brasil. Com uma única companhia as revendedoras poderiam oferecer três marcas com perfis de público e preço distintos. Na euforia do consumo brasileiro do início da década, fazia todo o sentido ter mais opções para oferecer. Mas, no Brasil as coisas mudam rapidamente e a realidade de três anos atrás, perde todo o sentido.

No processo de reorganização dos seus negócios no Brasil, a avaliação do portfólio foi um os pontos que mais mereceu atenção dos executivos da empresa, que preferiu dar um passo para trás. “Em um mercado como o brasileiro, onde você tem mega competidores como Natura, O Boticário e Mary Kay, para uma empresa nova chegar na venda direta, ter que apresentar as três marcas, falar que é Belcorp, que é peruana... Era um discurso complicado de explicar”, diz Nivaldo.
A empresa fez um estudo local para entender o negócio e concluiu que seria melhor, nesse momento de retomada do mercado, concentrar todos os esforços em uma única marca simplificando a vida do revendedor e do consumidor. A escolhida para seguir no Brasil foi L´Bel, a marca mais premium da companhia e que recentemente passou por uma repaginada global. Além disso, por ser a marca mais cara do portfólio, ela permite remunerar melhor a cadeia de vendas da empresa.
Historicamente, L´Bel sempre foi uma marca focada na categoria de skincare. Desde o ano passado, quando passou por um processo de revitalização, ela ganhou em modernidade e adotou mais fortemente uma estratégia multicategoria, sustentada em pele, perfumaria e maquiagem. Se a mulher L´Bel de antigamente poderia ser considerada um tanto fria e distante, a nova a nova mulher L´Bel é atual, colorida e cheia de atitude. O primeiro catálogo dessa L´Bel repaginada no Brasil saiu em fevereiro. O foco na marca é tão grande que ela passa a assinatr inclusive como marca corporativa no Brasil, em substituição a marca Belcorp. Apesar de não figurar mais como uma marca independente no País, alguns produtos de Ésika de perfumaria e, principalmente de maquiagem, foram incorporados ao portfólio de L´Bel, funcionando quase que como uma submarca.

Depois de um período sem grandes novidades, a L´Bel retomou fortemente o seu plano de lançamentos, com novidades todos os meses até dezembro, sendo que em alguns meses a empresa deve apresentar até mais de um lançamento no mesmo período. Em agosto, por exemplo, a empresa lança sua linha de pele com a atriz Deborah Secco como garota propaganda. “É a prova do compromisso da empresa de que agora que nos arrumamos a casa, vamos voltar as baterias para o mercado e para as oportunidades que aparecem”, garante Nivaldo.

Um novo plano
No momento em que estavam avaliando a empresa, o time da Belcorp discutiu muito sobre o modelo comercial adotado. Todas as operações da Belcorp no mundo, exceto por Brasil e Estados Unidos, operam no modelo mononível. Por isso, a primeira decisão importante tomada no processo foi a de continuar com o modelo multinível por aqui. Para Nivaldo, esse é o modelo que predomina no mundo e a empresa quer continuar aprendendo, já que está construindo uma história com ele tanto aqui como nos Estados Unidos. “Vale a pena (para a empresa) entender mais do multinível, apostar e investir nesse modelo”, acredita. Nesse sentido, Brasil e EUA, tem trabalhado como operações irmãs e discutido muito sobre o negócio. “Nos dois casos somos pequenos entrantes no mercado, os dois países no multinível, e ambos só com a marca L´Bel”, diz ele.

Ao decidir pela manutenção do modelo multinível, a Belcorp recrutou o especialista Dan Jensen, um dos mais respeitados consultores da venda direta em todo o mundo, para recriar o plano de compensação dos revendedores da empresa. O novo plano foi apresentado oficialmente durante a convenção da empresa, realizada em abril. “O nosso plano era de 2010, e de lá para cá o mundo é outro. Ele precisava de uma revisão completa e foi o que fizemos”, afirma o diretor da Belcorp. O plano que começa a rodar entre junho e julho é, de acordo com Nivaldo, muito mais completo. “Aprendemos com o Dan Jensen que precisamos construir um plano que trabalhe os cinco comportamentos importantes da venda direta: vender, recrutar, reter, desenvolver managers e desenvolver líderes.” O novo plano de compensação é focado nesses cinco comportamentos e muito mais na venda e nos produtos.

O executivo acredita que o plano adotado pela Belcorp é muito mais sustentável no longo prazo. Como contrapartida, ele leva mais tempo para entregar resultados. “A Mary Kay levou dez, quinze anos para chegar onde está hoje e essa é a expectativa de tempo mesmo quando você vai para um plano multinível com sustentação”, garante. “Poderíamos ter ido para outros planos, que talvez trouxessem resultado mais imediato, muito focado na questão da remuneração e do recrutamento. Esses modelos entregam resultado no curto prazo, mas nós não sabemos o quanto ele é sustentável. Da mesma maneira que desaparecem muitas companhias de cosméticos no Brasil, as de multinível costumam desaparecer mais rápido ainda,” complementa.

Nesse período de transição, a força de vendas da Belcorp passou, naturalmente, por ajustes.  Pessoas que entraram na euforia e acreditando que ficariam milionárias, trabalhando muito pouco, saíram do negócio. Hoje a base é menor, mas composta por pessoas que estão identificadas com os valores da empresa, segundo Nivaldo. “Os nossos planos futuros, dentro de todo esse cenário, são planos de crescimento, mas adequados e ajustados à realidade do negócio e do Brasil atual”.

Paciência contratada

A Belcorp está sendo bastante pressionada nos seus principais mercados na América Latina. A empresa perde market share em países importantes e sofre com pressão de preços, competição com os importados e com outros concorrentes de venda direta.

É inegável que a expectativa com o Brasil era grande na sede da Belcorp, em Lima, capital peruana. Pelo tamanho do mercado e pelos investimentos realizados por aqui, os executivos esperavam que a esta altura, com cinco anos de vida, a operação brasileira estivesse contribuindo com um volume substancial no faturamento da empresa. A única certeza hoje é de que isso não vai se concretizar no curto prazo.

É natural que em situações como essa, exista uma forte pressão por resultados vindo da matriz. Mas, para Nivaldo, mais do que pressão, o que existe é um alto nível de atenção, cuidado e interesse com a operação local. “Hoje em dia, temos toda a estrutura corporativa a nossa disposição. Quando tivemos a mudança no IPI, a diretora corporativa de Assuntos Regulatórios veio para o Brasil. Quando fomos discutir a questão da marca, todo o time corporativo de branding veio para o Brasil. Temos reuniões quinzenais ou mensais com o Eduardo Belmont, para tratar do mercado brasileiro. A corporação nunca esteve tão perto da operação brasileira”, explica Nivaldo.

Para ele, o momento atual pede atenção para entender o contexto do negócio e do País, mas sem deixar de realizar investimentos importantes. “Hoje a corporação tem mais entendimento do mercado e do momento e sabe que para construir o negócio que a gente quer por aqui vai levar tempo. E eles estão preparados para isso”, pontua o executivo.

A Belcorp tem pilares financeiros muito sólidos. No ano passado, sabendo dos momentos difíceis que ia enfrentar, a empresa passou por grandes mudanças na área administrativa e de investimentos, mudou o negócio na Venezuela, saiu da Argentina, justamente para poder focar nos negócios principais e passar por esses momento difíceis que afligem não só o Brasil.

Um dos planos originais da Belcorp era que, em algum momento, a empresa tivesse mais produtos desenvolvidos localmente. Faz sentido quando olhamos para as multinacionais que mais se destacaram no Brasil, especialmente nas categorias relacionadas com a pele, foram as que conseguiram desenvolver seus produtos pensando nas peculiaridades fisiológicas das brasileiras. Mas essa não é uma prioridade neste momento para Nivaldo. “As batalhas que a companhia está jogando neste momento em outros países da região, na Colômbia, no Peru, no México, no Chile são importantes então vamos trabalhar e conquistar o espaço que a gente tem para conquistar por aqui. A corporação está aberta, eu que estou segurando um pouco, para seguirmos o caminho que traçamos de recuperação dos negócios”, diz.

Para ele, a coisa mais incrível que a Belcorp tem são os produtos e a qualidade deles. “No nosso nível de competição, que é a venda direta, entendo que estamos um passo a frente, tanto que no último Premio Atualidade Cosmética, ganhamos troféus com dois perfumes que não tinham sido lançados no Brasil, só em outros mercados da América Latina. Temos produtos de muita qualidade no mercado e, na medida em que conquistarmos massa crítica, aí podemos pensar em algo a mais, acho que isso vai ser natural. Mas, até para manter o foco, acho que antes de partirmos para explorar a questão dos desenvolvimentos locais, temos muito o que fazer antes.”

Digitalizando a venda
A Belcorp foi lançada no Brasil como uma operação totalmente digital com os revendedores. Mas as empresa ainda tem pouca coisa no que diz respeito a plataformas digitais de consumo, sem uma operação digital para as consultoras, como já fazem concorrentes como Natura e Mary Kay. “Temos pouca coisa hoje, mas é para onde a gente quer ir”, pontua o diretor, que está discutindo com a matriz para que a implementação da estratégia digital da companhia comece pelo Brasil. “A estratégia e a plataforma já estão definidas globalmente e tem uma ordem de rollout para os países. O Brasil está na lista e devemos ter novidades ainda este ano”, comemora. “A gente se comunica bem via redes sociais, conversa com os consultores por elas. Para nós seria o caminho mais natural para pensar no omnichanel, um e-commerce para o consumidor integrando a cadeia, sem conflito”, finaliza.

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