Vastidão particular

Vastidão particular
A homérica pesquisa "Graus e Curvatura Capilar no Brasil", comprova, entre outras coisas, que existem por volta de 600 tipos de encaracolamento de cabelo no País. Haja trabalho (e oportunidades) para atender tanta diversidade  

  
Não é por acaso que Haircare é a maior categoria no Brasil em termos de número de produtos e marcas. A imensa quantidade de itens e subcategorias à disposição tenta suprir a necessidade da grande variedade de tipos de cabelos existentes entre as brasileiras, que foi e é diretamente influenciada pela diversidade étnica, além de fatores climáticos e culturais. Pensando em como entender melhor a verdadeira realidade dos fios nacionais a cosmetóloga Sonia Corazza resolveu realizar a pesquisa "Graus de Curvatura Capilar no Brasil", que, entre diversas comprovações, encontrou por volta de 600 tipos de encaracolamento de cabelo no País. Confira um bate papo com a profissional sobre este estudo.

Fale um pouco sobre esta pesquisa e da sua motivação para começar esse trabalho hercúleo.
Quando se começa a olhar o que tem de metodologia internacional, você vê que não fala nenhum pouco com a nossa realidade aqui do Brasil. Então, usando aquela padronagem internacional, a gente percebeu que aquilo não se adequava para realidade do cabelo no Brasil, porque aqui, por conta da miscigenação e do impacto dos movimentos migratórios, temos uma vastidão territorial e um fluxo migratório que fizeram com que o grau de encaracolamento do cabelo dos brasileiros seja absolutamente ímpar. Quem tem um cabelo muito mais crespo na Europa, é o cabelo ruivo e não tem nada a ver com o nosso tipo de cabelo, que é de origem negroide e afinado em alguns pontos de extensão do fio, por conta da miscigenação caucasiana em amostras vindas de algumas praças do país. Em Salvador, por exemplo, recebemos alemães, chineses, poloneses que fortemente migraram pelo Brasil, bem como os portugueses e italianos. Todos esses povos caucasianos miscigenaram com os negros africanos, resultando em uma tipologia capilar incomparável. Portanto, a padronização internacional não se adapta a realidade brasileira, por isso fizemos uma leitura absolutamente contextualizada.

E como você montou a metodologia da pesquisa?
É um trabalho bem tupiniquim mesmo, baseado na experiência de trabalhar com cabeleireiros do país inteiro, por conta dos quase 17 anos atuando com a Wella para formar o time Expert Team. Criamos uma rede de relacionamento com cabeleireiros muito interessante e dinâmica. O Expert Team foi um projeto que teve como líder o Wagner Santos, que hoje está na Davines. Por conta desse processo educativo, a gente acabou formando um grau de amizade e até de credibilidade com cabeleireiros de vários níveis sociais e culturais, de todas as regiões do Brasil. A empreitada foi fazer do jeito mais simples possível. E o jeito simples de saber o grau de encaracolamento do cabelo era pegar mechinhas de cabelo virgem, com um tamanho de comprimento que tivesse entre 5 cm e 10 cm. E esses cabeleireiros de todo o País coletavam essa mechinhas, colocavam em saquinhos plásticos tipo zip lock e nos enviavam. O cabelo não podia ter tratamento químico remodelador, porque se perderia o referencial. Foi assim que foram juntadas mais de 30 mil mechas de cabelo, especificamente 32.408 mechas. Muito mais que isso foi recebido pelo comitê de técnicos, mas grande parte não se adequava ao estudo e foi descartada pelo comprimento insuficiente, ou porque havia tratamento químico. Esse trabalho foi bem multibraçal e aí criamos uma metodologia simples, uma metodologia física de medidas, com um programa de computador para medir o grau de curvatura do cabelo. Criou-se um ?transferidor digital? que escaneava a mecha, se colocava versus aquele transferidor e se media o ângulo do grau de curvatura, simples assim! Criamos uma tabela para medir os graus de curvatura e assim se fizeram as tabelas de estatísticas. Dessa forma, tabulamos os resultados e chegamos à conclusão de que oito graus de curvatura eram as macrofamílias de graus de encaracolamento de cabelo no Brasil. Macrofamílias porque, claro, temos essa riqueza de cabelos e muitos graus intermediários entre os oito macro tipos foram encontrados.

Com quem você trabalhou nessa parte de desenvolvimento da tecnologia? Você que liderou esse projeto ou teve alguma instituição junto contigo ou ainda profissionais independentes?
Trabalhamos com profissionais independentes. Foi uma empreitada individual, não tem nenhuma entidade acadêmica, embora os profissionais fizessem parte de algumas delas. Só que, dentro das universidades, você tem protocolos para começar a fazer as pesquisas e eles às vezes são lentos. E como era um conhecimento que a gente queria ter independente, desvinculado de empresas ou instituições acadêmicas, trabalhamos em um grupo de ?lobos solitários? mesmo. Trabalho absolutamente independente nosso até porque cada um tinha um objetivo. Então, os cabeleireiros queriam entender como aplicar os produtos, já que a posologia dos produtos que as multinacionais mandavam não se adequavam para aquilo, por exemplo para uma reformatação do grau de curvatura, ou , uma diminuição do volume. Não dava nada certo. As empresas locais não tinham nenhum conhecimento. No meu caso, como formuladora, eu queria entender como formular para esses tipos de cabelo e quais eram os graus de curvatura reais no Brasil. Os cabeleireiros queriam saber como utilizar produtos na dose certa para cada grau de curvatura. Um time de investigadores ávidos por fazer melhor seu trabalho.

Foi uma opção de vocês não procurarem uma indústria?
Foi uma opção, até porque foi um trabalho absolutamente honesto e a gente sabia que teria distorção, se houvesse a intervenção tanto de fabricantes de matéria-prima ? que em algum momento eu mesma até pensei em procurar, mas eu sabia que ia ter viés ? e até de empresas fabricantes de produtos finais. A gente sabe muito bem que quando entram os interesses da empresa, a quem é pesquisador nessa linha pura, idealista, como eu sou, fica muito pressionado para vetorar os resultados. Então, a gente resolveu que não iríamos nos associar com ninguém. Estávamos buscando esse conhecimento para nosso trabalho aprofundado, não queríamos nos amarrar com ninguém.

Você já tinha feito um trabalho de descobrimento de tons de pele lá atrás para maquiagem, chegando num número fantástico. O que você descobriu fazendo esse trabalho com os cabelos?
Foi exatamente aquele trabalho que originou esse. Era um trabalho que data 2006, onde descobrimos muitos subtons de pele, entre os principais fototipos, no Brasil. Ficamos pasmos, de boca aberta, naquela época porque tínhamos entre o fototipo 1 e o fototipo 3, 125 tons de pele branca. Com esse trabalho do cabelo, a gente encontrou mais de 600 graus de encaracolamento. Depois classificamos dentro dessas oito macro-famílias. Aquele trabalho da pele gerou para a gente esse ponto de interrogação, mostrando que o Brasil era um país muito particular, muito único.

E a respeito do volume de informação quando você acabou este trabalho? Foi algo que você já, como formuladora com décadas de experiência, sabia ou já imaginava que era algo mais ou menos por aí? Ou foi algo que ainda assim te surpreendeu pela vastidão de tipos?
Olha, te confesso que para mim foi uma surpresa. Claro que a gente sabia que aquilo que vinha do mercado internacional não servia, porque é muito simplificado. Trabalhando com maquiagem a vida inteira, para a Natura, O Boticário, para todo mundo, a gente sabia que as tonalidades de bases líquidas simplesmente não cobriam as necessidades da pele da mulher brasileira, então, claro que não dava para ser apenas cinco tons. O Boticário fez um trabalho muito interessante, abriu seu portfólio para contemplar mais tons de pele; as empresas começaram a gerar novas cores, mas foi surpreendente saber que para a pele branca, naquela época, encontramos 125 tons. Isso a gente nem imaginava, de jeito nenhum. Aí pensamos, imagina com cabelo? Chegamos em um número por volta de 600 graus de encaracolamento do cabelo.

E você, como formuladora também, na hora que você viu esse universo, qual foi a primeira reação? Foi algo do tipo: "a gente passou muito tempo formulando coisa muito limitada?"?
Foi bem essa mesma, de superficialidade. Tem tanta coisa ainda para a gente aprender, porque diferentemente dos cabelos encaracolados europeus ou norte americanos, o nosso cabelo com grau de curvatura mais alto é extremamente fino, frágil, sensível e com um diâmetro muito variável. Então, de que adiantava a gente trazer um produto importado, com formulação e matriz de formação baseado no que se postulava em outros países, adotando essas regras para um cabelo nosso, brasileiro, que é completamente diferente? Claro que não servia, claro que esse cabelo ia ficar muito judiado quando se entrava com um processo químico tão agressivo, quanto é um processo de alisamento, ou alcalino, como as colorações permanentes comuns, ou o que seja. E não servia, e não serve até agora! Então, a gente viu que tudo que é feito no mercado até hoje não serve ainda para o brasileiro, é muito grosseiro ou muito generalizado. Não é para menos que temos um contingente absurdo de mulheres, principalmente, com o cabelo tratado quimicamente com afinamento capilar, com um grau de sensibilidade do couro cabeludo cada vez mais crescente. Além disso, no final de dezembro/2016 para janeiro/2017, fiz uma micropesquisa para tentar entender sensibilidade de couro cabeludo. Um levantamento bibliográfico e também conversei com alguns médicos tricologistas. O grau de sensibilidade do couro cabeludo aumenta a cada dia. Alguns tricologistas disseram que, hoje, de 10 a 15% das mulheres que chegam aos consultórios deles tem sensibilidade no couro cabeludo decorrente de alisamento capilar. Quer dizer, olha o que está acontecendo no Brasil. Isso é muito sério, é muito contundente. Mostra que o que tem hoje no mercado, das duas, uma: ou não se adequa, decorrente da cosmeticidade, pela cosmetodinâmica dos ingredientes, ou não têm um protocolo de avaliação efetivo para que a gente tenha uma posologia, uma indicação efetiva, segura e performática.

Todo esse trabalho foi dividido em cinco praças apenas?
Na verdade, dividi em cinco para mostrar inicialmente ao público dos eventos Atualidade Cosmética: São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Porto Alegre e Brasília. Mas temos cabelo do Brasil inteiro nesse trabalho.

Também te surpreenderam as diferenças entre elas?
Muito. Por isso que fiz um trabalho pessoal de fazer o levantamento histórico do movimento migratório. Levantar a história dos imigrantes em cada região do país, por exemplo, em que região lá de Salvador vieram os poloneses? Em que época? Então, foi debruçar mesmo pela história do Brasil, da colonização. Pesquisar até os últimos tempos, principalmente os movimentos migratórios iniciais como foi a experiência de escravidão, como foi a abertura e as leis de incentivo à imigração, quais fatores influenciaram a vinda dos italianos ou dos portugueses para cá ou para lá. E até porque, todos nós somos filhos ou netos ou bisnetos de imigrantes, pesquisar a história é um jeito de conhecer a nossa realidade também.

Do ponto de vista do estado do cabelo das brasileiras hoje, essas questões migratórias, de formação genética? Em que medida isso impacta mais o estado atual do cabelo das brasileiras do que, por exemplo, as questões relacionadas a estilo de vida? O que é mais impactante?
Acho que não dá para dizer mais ou menos, porque é muito circunstancial. Acho que impacta também, e tudo depende de quantos e quais fatores são interferentes. Por exemplo, se você pega descendente que tenha raiz negra na família e, ao mesmo tempo, raiz alemã, impacta muito mais, do que o estilo de vida, porque o indivíduo vai ter o cabelo super crespo e fininho. Então, se ele come direitinho ou se ele faz atividade física, é menos impactante do que a genética que ele carrega. Agora, se é uma pessoa que é descendente de índio, por exemplo, e caucasiano português, o estilo de vida vai impactar mais, porque o cabelo já é menos frágil, já tem uma elasticidade mais perfeita, um nível de encaracolamento menor. Portanto se ele fuma, bebe e só come ?porcaria em saquinho?, vai impactar mais. Tudo depende de quem é o indivíduo que a estamos analisando.

Além dessas questões históricas e de colonização, que outros atributos vocês colocaram para avaliar cada região?
Os fatores ambientais e climáticos são super importantes na atualidade. Por exemplo, a primeira coisa que analisamos e que é muito impactante, é a carga de radiação solar no Brasil. A partir daí, vimos que nosso país está sob intensa radiação solar, extremamente alta em relação aos raios UVA, e no País inteiro. É muito impactante, diferentemente do povo que está acima da linha do Equador, como norte americanos e europeus, que não sofrem a mesma incidência de raios UV que o Brasil. Hoje constatamos que o brasileiro não tem triptofano no fio de cabelo, um aminoácido absolutamente suscetível à degradação pela radiação solar. Então, o primeiro fator exógeno extremamente contundente para desqualificar o cabelo do brasileiro é a radiação solar. Quando falo dela, também falo da questão da temperatura, porque a temperatura média anual mostra para a gente uma tendência maior de perda de umidade do cabelo e, portanto, desidratação. E aí vem o ressecamento, a queda pela quebra, formação de pontas duplas, etc. A outra característica exógena levada em consideração foi a qualidade da água em cada região, segundo as estações de tratamento de água. Como é a água disponibilizada para esse consumidor, com a qual ele lava o cabelo? Que tipo de higienização ele está fazendo no cabelo, que tipo de resíduo a água de lavagem carrega - seja alumínio, magnésio, sulfato, etc -, como é feito o tratamento de água, como é feita a cloração? Tudo isso foi levantado.

Neste trabalho há a questão do grau de elasticidade. Quão importante são esses elementos, saber em que nível que está, qual diversidade dos cabelos? Para quem vai formular, é tão importante quanto o grau de curvatura?
Muito importante. Porque hoje também sabemos que no Brasil estamos perdendo muito a massa proteíca do cabelo. Mesmo uma pessoa que tem cabelo virgem, não sofre nenhum tipo de tratamento químico, perde a massa proteíca, tem um ataque nas suas cadeias amínicas, na formação da queratina, por conta desses fatores que mencionei: radiação solar ? fator exógeno ?, lavagem do cabelo, tipo de formação. Hoje a gente sabe que os alquil sulfatos (n.e.: categoria de ativo onde se encontra o lauril, eter, sulfato de sódio; que é o tipo mais comumente encontrado nos shampoos do Brasil) causa uma lixiviação da queratina no cabelo. Então, com isso, se começa a desguarnecer o cabelo das suas propriedades fundamentais de resistência, de elasticidade e homogeneidade da superfície. E isso é importante porque cabelo tem função. Sua grande função é cobrir essa pele tão sensível chamada couro cabeludo. E hoje, no Brasil, temos um grande problema de câncer de pele. Então o couro cabeludo desprotegido da homogeneidade da fibra capilar é um couro cabeludo suscetível ao câncer de pele. E para o formulador é muito importante entender essa tipologia capilar do brasileiro para poder revitalizar esse cabelo com aquilo que o fio está precisando. Seja uma reposição amínica - de aminoácidos para recompor o capacete proteíco do cabelo -, seja para repôr os ingredientes que compõe o fio - a ceramida, os agentes hidratantes, os próprios lipídeos que vão dar essa elasticidade para o cabelo. Então, um formulador que se preze precisa conhecer o estado do cabelo. Se não ele está fazendo um produto que é ?só mais um?, e hoje é inadmissível, no século XXI, que a gente ?arremesse? produtos no mercado.

Trazendo isso tudo um pouco para o dia a dia de mercado mesmo, você acha que os nossos formuladores, na média e talvez até principalmente os formuladores que atuam nas empresas de médio e pequeno porte, estão preparados para, por exemplo, trabalhar com essa gama de informação?
Não estão preparados, não conhecem a matriz dos substratos que estão tratando. É o motivo pelo qual a gente tem tanto produto ineficaz e até danoso no mercado. O formulador de média e pequena empresa não conhece o público-alvo. Não conhece mesmo. Você pega gente formulando de norte a sul do País fazendo fórmulas assim, default, para aquela concentração de princípios ativos. Até porque os próprios fabricantes de matéria-prima também não sabem. É o que estou te falando, todo mundo copia muito o que vem lá de fora sem conhecer o nosso público aqui. Não está preparado, não imagina as peculiaridades que existem dos cabelos no Brasil. Vou te falar com muita humildade, nem eu estava preparada. Não sou uma pessoa que fica na superfície, eu vou buscar o conhecimento em profundidade. Achei que aquilo que vinha de fora não servia, não estava dando efeito. Eu fazia painel técnico, avaliava performance do produto no cabelo e não encontrava resultado. Por quê? Porque eu estava trabalhando com uma base de dados errônea, como todo mundo.

Agora quando você diz que as próprias empresas de matéria-prima não conhecem, posso entender que é uma questão de como você junta os ingredientes na fórmula ou existe um gap de ingredientes hoje no mercado capazes de atender a essas especifidades do mercado brasileiro?
Acho que assim, você tem artigos no mercado brasileiro não necessariamente nacionais, mas a gente enfrenta isso ? e eu não vou ter medo nenhum de falar mesmo tendo já sido ameaçada de vida por falar isso. Temos um problema regulatório muito sério. Por exemplo, por que é que o ácido gloxílico de alta pureza até agora não foi aprovado pela Anvisa, com tantos comitês, com tanta gente séria levando dossiês concentrados, como uma Goldwell, por exemplo? Por que é que o ácido gloxílico de alta pureza, que se encaixa perfeitamente para fazer a remodelagem do cabelo, não foi aprovado? Isso para mim é uma grande incógnita. Então, não sei o porquê, para mim isso é território nebuloso mesmo, eu sou uma brasileira e eu tenho o direito de achar que tenham interesses escusos aí, e da mesma forma, uma porção de outros ingredientes ativos repositores da massa proteíca, de empresas que trabalham lá fora, não conseguem entrar no Brasil, como ativo mesmo. É por isso que eu gosto da minha pesquisa independente, porque eu não tenho ?rabo preso? com ninguém, posso falar o que eu quero. O nosso mercado fica nessa pobreza e nessa superficialidade por interesses comerciais de determinadas empresas que fazem um grande lobby com a parte regulatória, inclusive. Acho que soma um desconhecimento absurdo do mercado, desconhecimento mesmo da nossa matriz étnica genética, desconhecimento da nossa condição ambiental, desconhecimento da qualidade da nossa água, desconhecimento de hábitos e atitudes, e também a falta de acesso regulatório a ingredientes que seriam, sim, eficazes.

Então, podemos dizer que os profissionais não estão preparados para chegar nesse nível de sofisticação de desenvolver uma fórmula para atender a uma região mais específica do Brasil?
Acho que tudo depende. Por exemplo, se você vai lá para Belém do Pará, onde tem uma matriz étnica/genética muito ligada à presença indígena, você tem um cabelo mais resistente. Aí sim o formulador tem condição de atender àquela demanda porque é um cabelo menos complicado. Mas se você vai para o interior da Bahia, é um sofrimento porque lá existe uma comunidade muito variável de formação étnica/genética, condição de cabelo extremamente frágil e sem acesso a matérias-primas que seriam interessantes. O próprio Rio de Janeiro tem uma variedade capilar imensa, teríamos condição de atender muito melhor à necessidade regional, caso que tivessemos esses produtos ainda não aprovados, como o ácido glioxílico de alta pureza. Quando você vai para, por exemplo, Belém ou para a Amazônia, onde você tem uma matriz de cabelo mongoloide forte, o formulador e as empresas regionais têm sim a condição de atender às necessidades do cabelo daquela região. A coisa começa a engrossar quando você começa a aumentar o grau de curvatura do cabelo.

Quando a gente aumenta o grau de curvatura, acaba indo para regiões que, na maioria das vezes, são mais pobres também, não é?
Isso.

E isso é um problema? Pois para você formular para esse cabelo que é mais difícil, mais complicado, precisaria ter uma fórmula mais cara justamente para um consumidor que tem menos recurso; ou a fórmula não é necessariamente mais cara nesse caso?
Não necessariamente. Até porque você sabe muito bem que, em média, o custo no produto final, 30% é a fórmula. Eu sempre digo que a diferença entre um produto regular e um bom produto está lá na quarta casa decimal. Quer dizer, você pode sim economizar dinheiro de outras partes, até na própria cadeia inteira, até na própria embalagem e fazer um bom produto para atender seu público, que é sempre a minha premissa base nessa pirâmide, por uma opção de economia. Você produz mais e de melhor qualidade, dá sim para fazer. Não tem essa desculpa não. Dá sim para fazer e para atender. Dá para a gente fazer um produto popular, com uma boa qualidade e que vai atender às necessidades específicas daquele tipo de cabelo.

Você tem aí um vasto material, dois anos de pesquisa. Como é que você está trabalhando com isso? Tem planos de ampliá-lo, divulgá-lo ou disponibilizá-lo para mais empresas?
Esse é um trabalho que nunca acaba. Agora eu estou indo investigar como é a situação do couro cabeludo. É de empreitada porque precisamos entender aonde a gente está trabalhando para fazer uma boa fórmula, a princípio, gosto de ter conhecimento independente para não ficar presa a interesses particulares desta ou daquela empresa. É assim que funciona. Estou nesse mercado há 40 anos e a gente não é nenhum pouco inocente de saber que se você se filia a X ou Y, você vai ter que omitir ou relevar determinadas informações. Então, como eu sou muito purista, eu gosto de deter o meu conhecimento, até porque acaba virando um unique selling proposition do meu trabalho de criação cosmética. É um trabalho muito simples, barato, que não tem nenhuma sofisticação, muito acessível, mas que deu para nós um conhecimento que ninguém mais tem, não só no Brasil, mas no mundo. Ninguém no mundo conhece o cabelo do brasileiro como a gente hoje consegue conhecer. Bastante unidade, montamos um dossiê de cabelo que ninguém tem!
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