A terceira onda

A terceira onda

Com a chegada a tecnologia do 5G se tornando uma realidade no Brasil, quais os impactos e possíveis mudanças a Web 3.0 pode reservar para o mercado da beleza?


O advento da Web 3.0 ou Web3, como preferem alguns, já é uma realidade e as promessas revolucionárias a respeito do seu impacto sobre a forma como se movimentam os negócios e a relação das empresas com seus consumidores, funcionários e cadeias de valor, se apresentam a olhos vistos. Embora sendo debatida e aguardada há quase uma década, a terceira onda da revolução tecnológica ainda é um grande mistério. O universo de possibilidades que se descortina em milhares de ramificações possíveis devem alterar de maneira indiscutível os comportamentos e relacionamentos em diferentes aspectos do mercado de beleza. Mas, como são tantos caminhos possíveis para as empresas se valerem dessa nova web em suas relações com consumidores e fornecedores se relacionam.

Isso explica porque o sócio da KPMG - uma consultoria do grupo das chamadas big 4 -, Aldo Macri, os investimentos da indústria e varejo de cosméticos e beleza em iniciativas de web 3.0 têm se demonstrado mais experimentais do que algo que esteja modificando radicalmente a forma como essas empresas fazem a conexão com seus clientes nesse momento. “De maneira geral, as empresas que estão conseguindo executar experimentos têm aprendido com esses testes e avaliando o potencial que a Web3 pode gerar em termos de novos negócios, melhoria da experiência de compra e da fidelização de clientes. Ainda, nem todos os clientes estão atentos e dispostos a comprar uma NFT de determinada marca ou produto”, acredita o sócio da KPMG. Os NFT’s, sigla em inglês para denominar tokens não fungíveis, ativos digitais únicos armazenados na blockchain e que representam a propriedade de itens virtuais, tais como itens de jogos, obras de artes ou versões digitais colecionáveis de produtos de marcas.

No passado recente, em relação às páginas na internet (web 1.0); e as redes sociais e aplicativos de conversação (web 2.0), a aceitação do mercado precisou de certo tempo para maturação. Para a web 3.0, que prega uma grande mudança em relação às premissas que deram origem as versões anteriores, o tempo de adoção deve ser ainda maior do que foi experimentado anteriormente. “As redes sociais, por exemplo, ganharam mais rapidamente espaço, pois foi uma evolução complementar ao que as páginas de internet tradicionais já apresentavam, sem grandes quebras de paradigmas e premissas”, aponta Macri. 

Ao estabelecer como princípio a descentralização do acesso de dados de usuários, algo que hoje as big techs como Amazon, Google e Meta centralizam e usam a favor dos seus negócios, a web3 apresenta uma mudança mais radical no modelo, criando uma espécie de auto governança sem a necessidade de que as grandes empresas detenham o poder de controlar, de acordo com os seus interesses, todo o fluxo de informações da web. Além disso, as tecnologias que prometem dar sustentação para o ápice das experiências que poderão ser propiciadas pela web 3.0, ainda estão em desenvolvimento, caso da realidade aumentada, simulação de ambientes físicos no digital, além é claro da principal tecnologia desse ecossistema - o blockchain, que é o que garante a “amarração” desse ambiente descentralizado. Também são tecnologias distante de serem acessíveis ou mesmo de terem caído no gosto das grandes massas de consumidores. Até aqui, o que pode ser visto com mais frequência sendo feito pelas empresas está no campo da criação de NFT’s, como itens colecionáveis de uma marca de moda ou beleza, num ambiente de jogo virtual; ou a criação de ambientes no metaverso para o lançamento e experimentação de produtos utilizando a tecnologia de realidade virtual.

Supply chain integrada, transparente e altamente rastreável
Se na ponta da relação com os consumidores, a Web3 ainda esteja mais no campo das possibilidades e expectativas (muito grandes, é verdade), nos bastidores, a adoção dessas soluções tem se dado de forma mais efetiva, especialmente para dar conta de um dos temas cada vez mais críticos para as indústrias de beleza: a rastreabilidade das suas cadeias de abastecimento. Baseada na tecnologia de blockchain, os avanços nesse sentido já são realidade, conforme relata Ellen Bremm, vice-presidente de Digital Supply Chain da SAP Brasil. Para ela a Web 3.0 abre oportunidades para inovações baseadas em redes de negócio empresariais, por meio de um ecossistema grande e confiável. “Estamos avaliando e explorando o potencial diversificado da Web 3.0 e seus casos de uso no contexto empresarial, tais como múltiplo processamento e colaboração na cadeia de suprimentos e rastreabilidade de processos e produtos, garantindo fidelidade, segurança e controle de privacidade dos usuários com o uso de diversas tecnologias”, diz a executiva.

A promessa do blockchain, é a de que, com soluções baseadas nessa tecnologia, será possível estabelecer a “perfeita” rastreabilidade dos ingredientes usados na fórmula desde a sua origem. Com isso, será possível fazer a medição mais acurada do impacto ambiental e uma auditoria sobre os resultados alcançados frente aos compromissos públicos das companhias nesse tema. Também com essa ferramenta, pode ser mais fácil inserir os consumidores em todo o ciclo e fazê-los entender e acompanhar a participação deles nessa economia circular, sabendo qual a destinação que foi dada a embalagem que ela descartou, por exemplo. Em alguns mercados, o uso dessa tecnologia está sendo feito de forma bastante sofisticada. Segundo Macri, uma empresa do setor de papel e celulose consegue rastrear toda a historia da folha sulfite de papel A4, desde a árvore que gerou a matéria-prima principal, atestando que se trata de uma madeira certificada e oriunda de uma região de reflorestamento. Já num case da área de proteína animal, é possível rastrear o filé de carne desde o animal, identificando onde ele foi criado, qual fazenda, por quanto tempo e quando foi abatido num frigorífico específico.

No segmento de beleza e cosméticos, o sócio da KPMG acredita que seriam facilmente replicáveis os modelos mencionados, possibilitando à indústria identificar a origem da matéria-prima que gerou a fragrância de um perfume, desde o seu cultivo e retirada em alguma comunidade até a sua produção, lote e comercialização. Pode-se, inclusive, ir além, inserindo nessa cadeia de informações temas como sustentabilidade e aspectos sociais que compreendem as pessoas das comunidades que trabalham na cadeia, principalmente com a geração de matérias-primas, visando também a preservação dessas terras e o sustento das comunidades que ali habitam. 

Como lembra Bremm, da SAP, as fronteiras das soluções de supply chain não se limitam a olhar os processos internos e sinais provenientes de fontes de dados externas. “A SAP trabalha com as redes de negócios para conectar as operações aos seus respectivos parceiros de negócios, utilizando tecnologias como inteligência artificial, blockchain, NFT, AR/VR e outros para endereçar oportunidades em desenvolvimento de produtos; projeções de demanda que não se limitam às áreas internas da empresa e processos estatísticos, mas usam de bases e colaboração externa e inteligência artificial para prever comportamento do mercado; além de processos globais para encontrar fornecedores qualificados e coordenar logística, pagamentos, pós-venda dentro de único fluxo”, diz a executiva. 

Metaverso, gamificação e marketing
Os jogos online são muito mais populares do que muitas pessoas imaginam, especialmente entre as mulheres. De cara, é um equívoco crer que apenas adolescentes e jovens joguem. De acordo com uma pesquisa do Índice Mundial Global, em 2021, 53% de pessoas que se consideram aficionadas por beleza, jogaram ou baixaram ao menos um jogo grátis. Aldo Macri, defende que a gamificação, como instrumento de conexão e fidelização com os clientes é válido, assim como outras alternativas utilizadas na atualidade, caso da experimentação do produtos de forma digital e a utilização de influenciadores digitais para promover maior conexão dos clientes com a marca e produto. “Apesar de os jovens e adolescentes terem maior pré-disposição para experimentação das novidades digitais e serem mais influenciados por tal, no mundo digital, hoje estão presentes todas as gerações de clientes. Diariamente, passamos horas do nosso tempo nesse ambiente virtual”, diz o sócio da KPMG.

Nesse contexto, o desafio é conseguir a atenção dos targets e das personas que as empresas querem atingir no mundo digital em meio a uma elevada intensidade de informações. A gamificação, atrelada a programas de bonificação, fidelização, cashbacks etc., pode ser mais uma forma de retenção de clientes e redução do CAC (custo de aquisição de clientes). 

Ainda na questão de marketing, a tecnologia de blockchain pode elevar os programas de recompensas a novos patamares, com mais capacidade de automação e personalização e oferta de benefícios exclusivos, ao mesmo tempo que pode os tornar mais simples de usar para os consumidores, algo que hoje, nem sempre é uma realidade. “Com certeza os movimentos atuais que as empresas têm executado, muito ainda como experimentação, já demonstram alguns resultados positivos. Na visão do cliente, que busca personalização, conveniência e atendimento exclusivo, sempre irá privilegiar marcas e produtos que ofereçam esse tipo de atendimento”, opina o especialista. Por outro lado, esse ambiente descentralizado e as tecnologias disponíveis podem dar às próprias empresas, melhores condições para direcionais suas comunicações no ambiente digital Hoje as marcas dependem das big techs para realizar anúncios digitais e coletar dados de clientes. São elas que consolidam os dados de perfil, padrões de clicks, de procura e de consumo dos usuários digitais, Isso é o que elas vendem para a indústria e varejo. No ambiente virtual, o blockchain pode aprimorar essa relação cliente x empresa, por possibilitar essa troca de informações com maior segurança, observando também a regulamentação como a LGPD. “O tiro no pé que as empresas precisam se preocupar é de não criar experimentos sem agregação de valor na relação empresa x cliente por apenas seguir a tendência de estar no metaverso. Nessa páscoa, por exemplo, presenciei hotsites que mencionavam uma experiência imersiva na compra de produtos, mas que na realidade não passavam de um e-commerce cuja experiência de compra era um pouco mais diferente da navegação tradicional, porém não agregava valor algum ao cliente”, conclui Macri.

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